TCE-RR aponta falhas de planejamento, inconsistências contábeis e descumprimentos de metas do PNE na gestão de Teresa Surita
Relatório técnico aponta cancelamento irregular de empenhos, problemas na consolidação do PRESSEM, deficiências de transparência e reincidência de falhas já identificadas em anos anteriores

Um levantamento minucioso do Tribunal de Contas do Estado de Roraima (TCE-RR) sobre as contas de 2018 da ex-prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), ao qual o portal Roraima na Rede teve acesso, revela um conjunto de fragilidades estruturais na administração municipal. Além das divergências financeiras já conhecidas envolvendo o Fundo de Previdência dos Servidores Municipais (PRESSEM), o documento expõe falhas de planejamento orçamentário, carências de transparência, cancelamentos contábeis sem justificativa e reincidência de problemas administrativos ignorados ao longo dos anos.
O parecer classificou as contas como “regulares com ressalvas”, mas o teor do relatório indica um quadro de deficiências crônicas na gestão fiscal e previdenciária da capital.
Um dos pontos mais sensíveis do relatório diz respeito à fragilidade do planejamento público. O TCE constatou que o Plano Plurianual (PPA) e os programas orçamentários do município apresentavam metas genéricas, sem indicadores ou metodologias de medição.
O texto destaca que “as metas físicas não apresentam indicadores mensuráveis nem metodologias de apuração, inviabilizando o monitoramento da execução orçamentária”.
Esse tipo de falha compromete o controle de resultados e abre margem para o uso político do orçamento — permitindo que a execução de obras e programas seja guiada por conveniências eleitorais, e não por critérios técnicos.
Risco de descumprimento de metas na educação
O Tribunal também emitiu alerta quanto ao descumprimento de metas do Plano Nacional de Educação (PNE), especialmente no item referente à ampliação do acesso a creches (Meta 1B). O órgão registrou que havia risco concreto de não cumprimento das metas educacionais e recomendou que o município priorizasse investimentos em educação infantil.
O apontamento é especialmente delicado porque o setor educacional foi uma das bandeiras de gestão de Teresa Surita, e o eventual descumprimento das metas federais compromete a narrativa de avanço social sustentado que marcou suas campanhas eleitorais. Atualmente profissionais de educação acusam carências diversas nas escolas municipais.
Mesmo negligenciando o PNE em sua gestão, Teresa ganhou visibilidade "vendendo"a imagem de Boa Vista como a "Capital da Primeira Infância".
Inconsistências em sistemas oficiais e transparência fragilizada
Outro tema recorrente no relatório é a falta de consistência nos dados enviados aos sistemas oficiais do governo federal, como o SICONFI, SIOPE e SIOPS, que registram informações de execução orçamentária, saúde e educação.
As divergências entre os números declarados à União e aqueles constantes nos balanços municipais levantam dúvidas sobre a qualidade e a confiabilidade das informações prestadas à sociedade.
Para o Tribunal, o problema representa falha de transparência fiscal e descumprimento de obrigações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei de Acesso à Informação.
Entre os achados mais graves está o cancelamento de R$ 8,5 milhões em restos a pagar processados, sem documentação comprobatória. O relatório destaca que “não há justificativa para o cancelamento dos restos a pagar processados no valor de R$ 8.558.249,99”.
Esse tipo de operação, quando não fundamentada, pode distorcer o resultado financeiro do exercício, criando a aparência de equilíbrio orçamentário onde há, na verdade, obrigações pendentes. O TCE considerou o item uma irregularidade relevante e manteve a ressalva mesmo após as justificativas apresentadas pela ex-prefeita.
Desconformidade com normas contábeis
As notas explicativas e demonstrações financeiras apresentadas pela Prefeitura também foram consideradas incompletas e em desacordo com o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP).
O Tribunal apontou que as demonstrações não identificavam as entidades consolidadas nem detalhavam as políticas contábeis adotadas — exigências básicas de transparência fiscal.
A falha se soma à ausência de um sistema de controle interno eficaz, apontada no mesmo relatório. Segundo o documento, a falta de verificação sistemática dos registros contábeis favoreceu a recorrência de erros e inconsistências.
Governança precária e risco previdenciário
O PRESSEM continua sendo o ponto mais vulnerável da estrutura fiscal de Boa Vista. A auditoria revelou que a consolidação contábil do fundo é feita manualmente, o que gera discrepâncias significativas — mais de R$ 144 milhões de diferença nas provisões previdenciárias e cerca de R$ 10 milhões em caixa.
O TCE classificou essas falhas como impropriedades graves, por afetarem diretamente a confiabilidade do passivo previdenciário e a segurança das aposentadorias dos servidores municipais.
A Corte destacou que “a consolidação das contas do PRESSEM é realizada manualmente” e recomendou a imediata integração sistêmica entre o fundo e a contabilidade central do município.
Reincidência de falhas e omissão administrativa
Um dos pontos mais comprometedores do relatório é a reincidência de irregularidades já identificadas em auditorias anteriores. As falhas de consolidação contábil, notas explicativas incompletas e divergências entre sistemas já haviam sido apontadas em exercícios anteriores, mas não foram corrigidas.
Essa repetição de condutas levou o TCE a registrar que “a persistência de impropriedades já relatadas demonstra fragilidade dos controles internos e omissão na adoção de providências corretivas”.
Embora o parecer final tenha classificado as contas como regulares com ressalvas, o conjunto de apontamentos tem peso político e simbólico. As falhas expõem uma cultura administrativa de baixa aderência às normas de governança, fragilizando o discurso de eficiência que marcou a imagem pública de Teresa Surita.
No campo técnico, as recomendações do TCE à gestão atual — comandada por Arthur Henrique (MDB), aliado e ex-secretário da ex-prefeita — exigem uma reestruturação profunda dos controles internos e a digitalização integral da contabilidade municipal para evitar reincidências.
O relatório do TCE-RR sobre as contas de 2018 de Teresa Surita revela uma administração eficiente em obras e programas, mas vulnerável na governança fiscal e previdenciária.
A análise do órgão de controle deixa claro que a solidez financeira do município depende de uma revisão estrutural do planejamento, da contabilidade e da gestão previdenciária. As ressalvas apontam para um modelo de gestão que priorizou resultados imediatos, mas negligenciou a transparência e o rigor técnico das contas públicas.
ERRAMOS: mais uma vez grafamos o nome da ex-prefeita Teresa Surita com Z na primeira versão desta matéria, antes da nova revisão. O lapso já foi corrigido. Pedimos desculpas pelo ocorrido.
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