É razoável afirmar que no contexto da educação brasileira, a formação de professores direcionada para a inserção da tecnologia como dimensão do processo de ensino e aprendizagem constitui um desafio recorrente.
Em meados da década de 1990, após a popularização do computador, o cenário era de desconfiança. A comunidade docente demonstrara um velado temor sobre o impacto da tecnologia na humanidade e por fim sobre a inserção do computador no ambiente escolar.
Frente ao lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s (Brasil, 1998), que instava a organização do currículo a partir de “Temas Transversais”, incluindo o ensino com tecnologias, era possível ouvir rumores de temor e desconfiança sobre a possibilidade de os computadores invadirem o espaço escolar e tornarem a figura do professor irrelevante no processo de ensino e aprendizagem. Esse fato, manteve e ainda mantém boa parte da comunidade docente, resistente ao uso dos computadores no ambiente da sala de aulas.
Tal resistência sempre achou justificativa na falta de formação para os professores. Porém, o fato é que essa justificativa de forma implícita representa as vozes de resistência que se fazem por medo ao novo e desconhecido. Implica dizermos que a limitação de domínio sobre a linguagem lógica computacional sempre despertou a resistência nos professores e sempre apontou para a necessidade de uma formação instrucional, de forma continuada ou inicial, efetiva e alinhada com a necessidade real dos professores.
Com relação ao nível de resistência ou limitação ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TDIC’s), Andrade (2018)[1] registra haver consenso sobre a existência de uma geração de usuários de TDIC dividida em duas grandes categorias que são:
1) os nativos digitais, representadas por pessoas que nasceram durante ou depois da evolução tecnológicas dos computadores e smartphones; e
2) os imigrantes digitais, representados por pessoas que nasceram antes da era dos computadores e smartphones, precisando se adaptar a cultura de uso deles. Para essa pesquisadora, essa segunda categoria realmente apresenta dificuldade de migração e consequentemente, resiste naturalmente, ao uso de dispositivos eletrônicos, por apresentar dificuldade para entender a linguagem operacional das referidas máquinas.
Naturalmente, para os professores imigrantes digitais, a chegada da Internet, aliada com a crise da falta de uma formação tecnológica mais efetiva, escalonou e agravou a resistência da comunidade docente referente ao uso de computadores e TDIC’s.
Consoante a década de 90, realmente o cenário era de forte avanço. À classe docente imigrante da tecnologia restou apenas observar o avanço tecnológico que, combinado com o desenvolvimento meteórico da Internet, fazia chegar ao mercado uma variedade de novos dispositivos eletrônicos, principalmente os sedutores smartphones.
Medo à partes, por adágio popular, tudo que é ruim pode piorar. Na verdade, o avanço dos PCN’s para nível de Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cujo lançamento seguido do advento da pandemia de COVID-19 estabeleceu um verdadeiro “inferno astral” para os pais, professores e estudantes – notadamente para os “imigrantes digitais”.
“Inferno astral”, porque embora se pregara que a BNCC traria muitos benefícios para o ensino. A bandeira de implantação dessa proposta inovadora conjugara o verbo inovar em termos de implementação de Metodologias Ativas no ensino Fundamental e Médio seguidamente.
É fácil entender que essa expectativa super dimensionada, inevitavelmente, forçara o professor a praticar o uso de tecnologias e dispositivos digitais para inovação da prática de ensino na sala de aula. Pois, para tanto, seria necessário que a escola dispusesse de equipamentos e dispositivos adequados ao fim almejado e que se promovesse formação adequada aos professores e que se garantisse aos estudantes os recursos tecnológicos exigidos para o nível de inovação desejada.
Toda via, no entanto, a formação tecnológica dos professores segue deficitária e a gestão escolar cada vez mais desalinhada ou indiferente à real necessidade da classe que ora precisaram comprar seus próprios equipamentos, assim como enfrentar escolas desaparelhadas (quase sempre sem equipamento atualizados e/ou sem acesso à Internet e, sem professores qualificados para as chamados laboratórios de informática), salas de aula lotadas de alunos na maioria carentes, desempregados, imigrantes ou interioranos, vindos de família humildes de classe baixa, sem poder aquisitiva para comprar um “smatphone” dos mais básicos e muito menos de pagar um bom plano de Internet.
A sensação de um “Inferno Astral” ficou mais perturbadora durante e depois do isolamento social provocado pela Pandemia de COVID – 19, quando os estudantes voltaram às escolas e os professores perceberam que houve definitivamente uma invasão da escola pelos computadores personalizados (os smartphones) e que estes dispositivos, ligados a sites de pesquisas na Internet estão moldando o comportamento dos estudantes referente à disposição para participara do processo de aprendizagem e, pior ainda, está transformando os estudantes em verdadeiros analfabetos funcionais incapazes de ler, interpretar e argumentar.
Na verdade, o que se verifica é que, equipados com seus smartphones, os estudantes preferem visitar sites de pesquisa a assistir a aula dos professores e tendem buscar respostas prontas na web e se recusam a participar de leitura e discussão. Além disso, se mostram viciados em aplicativos de jogos de interação e entretenimento áudio visual.
Neste cenário, os estudantes sugerem estar, cada vez mais, perdendo o gosto pela leitura e pela escrita, aumentando o deficit de atenção ao que importa e tendo sua capacidade de argumentação reduzida. Nem é preciso dizer que estas são habilidades essenciais para o desenvolvimento cognitivo.
Ou seja, estamos presenciando a uma geração de “CRETINOS DIGITAIS” conforme a tese defendida pelo escritor francês Michel Desmugert, em seu livro - Fábrica de Cretinos Digitais [2]. É exatamente sobre esse assunto que continuaremos falando na próxima semana.
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