Sou fascinado por ouvir e contar histórias. Narrativas, reais ou imaginárias, são portais que me transportam para outros mundos, especialmente aquelas que envolvem personagens enigmáticos e enredos tão extraordinários quanto a fuga de Papillon da Ilha do Diabo, na Guiana Francesa.
Hoje pela manhã, conversando com meu amigo, o radialista Júlio Torreias, sobre os bastidores dessa saga fascinante, lembrei-me da honra que tive em revisar o livro do fotojornalista e escritor Platão Arantes, Papillon – O Homem que Enganou o Mundo. A obstinação de Platão para investigar essa história é, por si só, digna de um romance. Ele não apenas viajou à Ilha do Diabo em busca de evidências, como também atendeu ao presságio de uma vidente, que, lendo búzios em Recife, previu uma viagem que o tornaria famoso.
A obra de Platão desmonta o mito criado por Henri Charrière, autor do célebre livro autobiográfico Papillon. Charrière, como Platão revelou, não foi o herói épico que retratou. Grande parte das aventuras narradas no livro de 1969 — que chegou a ser o terceiro mais vendido do mundo, atrás apenas da Bíblia e do Alcorão — são histórias fabricadas ou emprestadas de outros prisioneiros. Platão expõe Charrière como um oportunista que transformou relatos alheios em uma biografia fictícia de tirar o fôlego.
Mas Roraima não fica atrás em termos de mistérios e enredos intrigantes. Este estado, onde as lendas dançam ao som do vento que sopra pelos lavrados, tem suas próprias histórias fascinantes. Sempre que ouço alguém desfiar um relato, paro o que estou fazendo para escutar, como se cada palavra fosse um fio que me puxasse para o coração de um mundo novo.
Lembro-me, por exemplo, da narrativa de Marina, a proprietária do famoso bar Marina Meu Caso, situado poeticamente às margens do Rio Branco, no bairro São Pedro. Marina viveu por anos nos garimpos, disfarçada de homem. Quem poderia imaginar que aquela figura franzina escondia, sob roupas masculinas, a força e a coragem de uma mulher que desafiou os limites impostos pela sociedade? Essa história, registrada nas páginas de jornais, está exposta com orgulho em uma parede do seu bar, como uma medalha que celebra sua trajetória única.
Roraima, com sua longa história de dependência do ouro e do diamante, é um mosaico de enredos extraordinários. O município de Amajari, por exemplo, foi palco de intensas febres do ouro e do diamante, transformando a região em um tabuleiro onde garimpeiros, comunidades indígenas e o governo disputavam suas jogadas.
Ali, nas trilhas poeirentas e nas águas turvas, surgiram lendas de garimpos encantados, onde "veios de ouro" jamais encontrados alimentaram a imaginação de muitos. Alguns acreditam que essas riquezas foram escondidas por indígenas ou protegidas por forças místicas, como se o próprio território guardasse seus segredos com um zelo sobrenatural. Essas histórias, carregadas de metáforas e mistérios, moldaram a cultura local, enquanto barracas de lona e economias de troca davam vida a comunidades improvisadas.
As lendas da região também contam sobre o Curupira e o Gnomo, figuras míticas que parecem vigiar cada praia e cada trilha do estado. Quem deu nome a esses lugares? E por quê? Talvez essas respostas estejam guardadas nas histórias ainda por contar, ecoando na voz dos rios e nas sombras das montanhas.
Roraima é mais do que um lugar. É um livro vivo, cujas páginas são escritas por aventureiros, garimpeiros, indígenas e sonhadores. Cada conto, por mais controverso que seja, é uma peça de um grande quebra-cabeça, que nos desafia a ouvir, sentir e desvendar.