Sempre me disseram que a vida era sobre alcançar o ideal. A forma perfeita, o gesto correto, a palavra certa. Mas ninguém me preparou para os dias em que a linha da vida pareceria torta – e, ainda assim, inexplicavelmente bela. O perfeito não existe, o que deve existir é a nossa busca constante pela perfeição. Como disse o poeta, o importante é o caminhar.
Parece ironia, mas é nas linhas tortas que a beleza se esconde. Como dizia Clarice Lispector: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei”. Foi com essa rendição ao imperfeito, ao inesperado, que comecei a enxergar a vida com novos olhos. Porque aceitar-se não é sobre seguir uma régua; é sobre desenhar com as cores que temos, mesmo que algumas estejam gastas ou fora do padrão.
Lembro-me de que quando quando criança, me sentia meio deslocado. Constantemente me questionava sobre qual o meu lugar neste mundo. Considerava este lugar inóspito para mim. Essa inquietação era decorrente do fato de que eu não me reconhecia como importante. Porém, pouco a pouco comecei a me aceitar como sou. Descobri que eu e você somos criaturas singulares. Não há ninguém como nós. No silêncio dessa descoberta, me perguntei: quem decide o que é suficiente? Quem me disse que eu não sou o bastante?
A resposta não veio de imediato, mas aprendi a encontrá-la nos detalhes do cotidiano. Descobri que somos como vasos de cerâmica japonesa, restaurados com ouro na técnica do kintsugi. As rachaduras, em vez de esconderem uma história de imperfeição, a realçam com brilho. Cada cicatriz, cada falha, cada curva fora do esperado é um traço do que nos torna únicos. Afinal, há algo mais bonito do que uma peça de arte que carrega suas histórias?
Aos poucos, percebi que aceitar-se não é um caminho linear; é como aprender a nadar contra a corrente das expectativas. É preciso coragem para abandonar as comparações e parar de medir o próprio valor com a régua dos outros. Não é fácil, mas há algo libertador em dizer: "Eu sou suficiente. Eu sou, e isso basta."
Para quem está no meio desse processo – esse mergulho no desconhecido de si mesmo – vale lembrar que até a natureza nos ensina a abraçar o imperfeito. As árvores crescem com galhos tortos, moldadas pelo vento e pelas tempestades, mas continuam a alcançar o céu. Os rios não fluem em linha reta; é nas curvas que encontram sua força e beleza. Por que, então, nós deveríamos ser diferentes? Simplesmente nós somos o que somos. E isso é tudo.
Há dias em que a insegurança sussurra que não somos dignos. Nesses momentos, gosto de lembrar as palavras de Rupi Kaur: “Como você ousa sentir-se menos do que o todo completo que você é?” Somos um mosaico – uma colcha de retalhos costurada com memórias, quedas e recomeços. Somos, como as constelações, feitos de pedaços desconectados que, juntos, formam algo incrível.
Aceitar-se não é sobre amar cada pedaço todos os dias; é sobre entender que eles são parte de um todo maior. É perdoar os dias ruins, celebrar os dias bons e, acima de tudo, ser gentil consigo mesmo nos outros dias – aqueles em que não há brilho nem tempestade, só a rotina de ser quem somos.
Então, se hoje você sente que a sua linha está torta, lembre-se: a Mona Lisa não é bela apenas pelo sorriso; é o mistério, a imperfeição e a subjetividade que a tornam eterna. Não há beleza na uniformidade. Há beleza no improviso, no inesperado, neste ser único que você é. Porque é no mosaico, nas rachaduras douradas e nos desvios do caminho, que encontramos a arte de existir.
E, quando a dúvida vier, olhe para o espelho e diga: "Eu sou minha obra-prima, e isso é o suficiente."