A presença crescente da facção criminosa venezuelana El Tren de Aragua em Roraima representa mais do que um problema de segurança pública: é um reflexo das desigualdades e crises sociais que marcam a fronteira entre Brasil e Venezuela. Essa situação, que ganha contornos cada vez mais preocupantes, evidencia como fluxos migratórios desassistidos e a fragilidade das políticas públicas podem abrir brechas para a atuação de grupos criminosos.
A facção, que emergiu no presídio de Tocorón, na Venezuela, se expandiu explorando o tráfico de drogas, pessoas e contrabando. Em Roraima, bairros como 13 de Setembro e São Vicente, em Boa Vista, já registram a presença de lideranças do grupo, conforme aponta o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Roraima. Essa ocupação territorial é facilitada pela vulnerabilidade dos migrantes venezuelanos que, fugindo de uma grave crise política e econômica, tornam-se presas fáceis para extorsões, aliciamentos e exploração.
A crise migratória e a falta de integração efetiva dos refugiados em Roraima contribuem para a perpetuação de um ciclo de exclusão social. Com estimativas que apontam cerca de 180 mil venezuelanos vivendo no estado — aproximadamente 25% da população local —, a pressão sobre os serviços públicos e o mercado de trabalho é evidente. A ausência de políticas habitacionais, de emprego e de saúde suficientes agrava o quadro, forçando muitos a viverem em condições precárias e à margem da sociedade, cenário ideal para o recrutamento por organizações criminosas.
Além disso, a expansão do Tren de Aragua reflete um problema regional: a cooperação entre facções transnacionais. A proximidade com o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) mostra como as dinâmicas do crime organizado ultrapassam fronteiras. Essa articulação entre grupos fortalece a atuação criminosa e fragiliza ainda mais a segurança da região. O estado de Roraima, com suas características geográficas estratégicas, torna-se um ponto crítico para essas operações, intensificando a necessidade de respostas integradas.
A presença da facção venezuelana também expõe a falência de sistemas prisionais tanto na Venezuela quanto no Brasil. Enquanto o presídio de Tocorón era transformado em uma "minicidade" sob o controle do líder Héctor Guerrero, no Brasil, a lotação crescente de penitenciárias como a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC), com 414 venezuelanos presos, revela a incapacidade de conter e reabilitar os envolvidos no crime organizado.
Esse quadro exige mais do que ações repressivas. É necessário um esforço conjunto entre governos e sociedade civil para integrar os migrantes, oferecer alternativas de trabalho e estudo e fortalecer as comunidades locais. O descaso com essa população não apenas perpetua ciclos de violência, mas compromete o tecido social de toda a região. Assim, abordar a presença de facções transnacionais em Roraima vai além do enfrentamento policial; trata-se de uma questão urgente de justiça social.