Dezembro avança com suas luzes cintilantes, ruas adornadas com árvores gigantescas e melodias natalinas que se espalham pelos shoppings. As famílias se preparam para as festividades, mas o verdadeiro espírito do Natal não se encontra no brilho das vitrines ou no consumismo desenfreado. Natal é renascimento, não consumo. É um momento de acolhimento, de união e, acima de tudo, de solidariedade.
Enquanto muitos de nós, abençoados com trabalho e uma vida estruturada, desfrutamos da alegria da época, há aqueles para quem o Natal não traz luz, mas sombras. Entre eles, migrantes em situação de rua, famílias que carregam o peso do desamparo, e crianças que crescem sem saber o que é um presente sob a árvore. O "paz na Terra" que entoa em canções não alcança a todos. Para milhões de pessoas, a trilha sonora do Natal é o som angustiante do estômago vazio.
Como é possível celebrar quando, ao lado das luzes piscantes, há olhos apagados pela fome? Para quem não consegue oferecer o mínimo aos filhos, as festas de fim de ano podem ser um lembrete cruel do peso das expectativas não correspondidas. Felizes somos nós, que preparamos ceias com sorrisos largos e corações leves. Mas e aqueles que, como espectadores de um teatro, veem a cena iluminada sem jamais poder subir ao palco?
Recordo-me da tristeza nos olhos de minha mãe em alguns dos Natais de minha infância, naqueles anos mais difíceis da nossa vida. Não havia luzes, presentes ou banquetes. Apenas lágrimas silenciosas pela impossibilidade de proporcionar-nos algo especial. Como criança, esperava ansiosamente por Papai Noel, mas ele nunca chegava. A decepção doía, mas hoje, como adulto que construiu seu caminho, sei que essa dor ainda pulsa nos corações de tantas crianças e pais desamparados.
As tradições natalinas, reconfortantes para uns, intensificam a dor de outros. Cada enfeite, cada canção, cada "feliz Natal" pode ser um eco do vazio na vida de quem perdeu tudo. Em nossa cidade, convivemos com essa dicotomia social: de um lado, luzes e festas; do outro, famílias errantes, dormindo em calçadas e lutando contra o desespero. São como barcos à deriva em um mar revolto, invisíveis em meio ao brilho das celebrações.
Penso nas Anas, Marias, Josefas, que se sentem sozinhas na missão de conduzir suas famílias, deslocadas, como uma embarcação sem rumo em um oceano de alegria. Suas histórias me fazem refletir sobre a nossa responsabilidade. Como podemos fechar os olhos a essa realidade que nos cerca há quase uma década? Todos enfrentamos dores e adversidades, mas muitos possuem ao menos a chance de superá-las. Para outros, a luta diária é inglória e sem perspectivas.
Que o Natal não seja apenas um momento de alegria superficial. Que seja também um convite à reflexão, ao acolhimento, à solidariedade. Perguntemo-nos: o que podemos fazer para transformar vidas necessitadas? Que passos simples, mas poderosos, podemos dar para levar esperança a quem não tem nada além da escuridão?
Em meio à correria de dezembro, permita-se chorar, lembrar, sentir saudade. Busque um novo significado para o Natal – um significado inclusivo, que una gratidão e esperança. Que este renascimento, tão simbólico nesta época, inspire não apenas luzes e festas, mas também ações concretas de amor e compaixão. Porque o Natal verdadeiro é isso: acender luzes nos corações que vivem em trevas.