O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a interdição de áreas no igarapé Caribi, nos municípios de Silves e Itapiranga, e no Mamoriá Grande, em Lábrea, sob o argumento da presença de povos indígenas isolados. A medida, oficializada por meio da Recomendação nº 03/2024 em 14 de novembro, foi assinada pelos procuradores Fernando Merloto Soave, Eduardo Jesus Sanches e Daniel Luís Dalberto, no âmbito de dois procedimentos administrativos.
Caso acatada, a recomendação interromperia atividades econômicas estratégicas, como a exploração de gás natural pela Eneva S/A, o manejo florestal pela Mil Madeiras Preciosas, além de outras iniciativas na região. Os reflexos econômicos seriam severos, afetando diretamente a rotina dos municípios de Silves (12.404 habitantes) e Itapiranga (17.149 habitantes), além de comprometer a logística das rodovias AM-330 e AM-363.
A suspensão também traria consequências significativas para Roraima, que depende do gás extraído em Silves para abastecer a termelétrica Jaguatirica II, responsável por cerca de 70% da energia elétrica do estado. Sem conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN), Roraima ficaria ainda mais vulnerável a apagões e à alta nos custos de energia.
“Roraima já enfrenta um alto custo de energia por conta da dependência de termelétricas movidas a diesel. Perder o fornecimento de gás natural torna o cenário insustentável”, afirmou um especialista em energia que preferiu não se identificar.
De acordo com o MPF, a recomendação segue os princípios da precaução e da prevenção, considerando a vulnerabilidade epidemiológica e cultural dos indígenas isolados. A decisão foi fundamentada em relatos de uma ONG e na apresentação de artefatos atribuídos aos indígenas, embora expedições da própria Funai não tenham constatado evidências definitivas.
Ainda assim, o MPF ressaltou que, mesmo sem comprovações categóricas, o potencial risco de contato involuntário ou degradação do território justifica a medida, com base em tratados internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A recomendação exige que a Funai exerça seu poder de polícia para restringir o acesso de terceiros às áreas e adote medidas administrativas de proteção.
Embora organizações como CPT, Coiab, Apib e Cimi tenham sido informadas da recomendação, as empresas diretamente impactadas, como Eneva e Mil Madeiras Preciosas, não foram notificadas, o que pode gerar tensões adicionais. Enquanto os defensores da medida priorizam a preservação dos direitos indígenas, críticos argumentam que a interrupção prejudica empreendimentos bilionários e a segurança energética regional.
A Funai tem até dez dias para apresentar ao MPF as providências tomadas. Caso não cumpra a recomendação, os dirigentes poderão ser responsabilizados judicialmente por omissão.
O caso expõe um delicado equilíbrio entre o avanço econômico e a preservação ambiental e indígena, especialmente em regiões da Amazônia onde demandas por infraestrutura e soberania energética convivem com a proteção de populações tradicionais.