Conviver com gatos é descobrir que o mundo não se limita às paredes da casa. Eles têm um jeito todo especial de transformar o ordinário em extraordinário. Aqui em casa, temos dois: Chocolate e Amora. Ou, como minha esposa e eu costumamos dizer, os nossos filhos de quatro patas. Eles não apenas vivem conosco; eles governam o espaço, cada um à sua maneira, com uma personalidade tão marcante quanto o aroma do café fresco que fazemos pela manhã.
Chocolate é um furacão que anda sobre almofadas e móveis. O gato preto é como um poema surrealista: desordenado, efervescente, imprevisível. Há dias em que ele parece carregar o caos do universo no olhar, como quem ouviu as estrelas cochicharem segredos cósmicos que só ele entende. A inquietude é sua marca, e os momentos de serenidade são raros como eclipses
Apocalíptico é a palavra que o define. Num instante, ele está quieto como a brisa e, no outro, vira um redemoinho de energia, com os olhos arregalados e um miado que mais parece um grito de guerra. Ele é inquieto, curioso e um pouco alucinado, como uma tempestade inesperada em pleno verão. Às vezes, me pego pensando se ele não é uma metáfora ambulante sobre a imprevisibilidade da vida.
Amora é o absoluto oposto. Tranquila, serena, mas com um olhar que parece sempre estar um passo à frente de qualquer um. Minha avó costumava dizer que algumas pessoas “dão o bote e escondem as unhas”. Pois bem, Amora é a personificação dessa frase. A bichana caminha pela casa como quem escreve poesia, silenciosa, mas pronta para nos surpreender a qualquer momento.
Com seus olhos azuis arredondados, e observadora como ninguém, vê tudo, mas faz questão de agir apenas quando realmente necessário. Entre um salto elegante e um ronronar discreto, Amora nos ensina sobre a beleza da paciência. É a nossa bola de pelo ambulante.
Esses dois pequenos seres são, cada um à sua maneira, professores de uma escola sem quadros ou carteiras. Chocolate, com seu caos, nos lembra que a vida é feita de momentos imprevisíveis e intensos. Amora, por outro lado, nos convida a apreciar o silêncio, a estratégia e a contemplação. Juntos, eles nos mostram que a rotina nunca é monótona quando você compartilha o espaço com quem vê o mundo de forma tão peculiar.
Ser tutor de gatos é isso: aceitar o convite para um universo onde as coisas pequenas — um olhar, um salto, um ronronar — têm um peso enorme. Como bem disse o escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos”. Talvez seja por isso que nos sentimos tão ligados a eles. Os gatos nos fazem olhar além do óbvio, enxergar o essencial nos detalhes que tantas vezes ignoramos.
No final do dia, quando Chocolate se cansa de ser o centro do caos e Amora decide que já fez observações suficientes, eles se aninham perto de nós, e o mundo parece caber em uma cama ou em um sofá. Ali, entre ronronares e carícias, minha esposa e eu entendemos que, mesmo nos dias mais difíceis, a vida vale a pena quando você tem alguém — ou dois pequenos alguéns — para compartilhar o silêncio e a tempestade.