A democracia brasileira, conquistada com árduas lutas e sacrifícios ao longo de décadas, enfrenta um desafio crucial que mina a igualdade de condições entre os candidatos: a flagrante disparidade na distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral. Com 33 partidos políticos atualmente registrados no Brasil, o Fundo Partidário, que em 2023 distribuiu cerca de R$ 1,18 bilhão, e o Fundo Eleitoral, que em 2022 destinou R$ 4,9 bilhões para as eleições gerais, privilegiam desproporcionalmente os grandes partidos, relegando a maioria das legendas a uma situação de penúria. Para as eleições municipais de 2024, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 29 partidos receberam R$ 4.961.519.777,00. Esse valor foi estabelecido pelo Congresso Nacional para gastos com a corrida eleitoral deste ano.
Cerca de 95% dos recursos do Fundo Partidário são destinados às legendas com maior representação na Câmara dos Deputados, baseando-se em critérios como votos recebidos e tamanho das bancadas eleitas nas últimas eleições. Isso significa que apenas um punhado de partidos, como PT, União Brasil, PL, Progressistas, MDB e Republicanos detém a maior parte dos recursos, enquanto os demais 27 partidos se veem obrigados a dividir uma fatia ínfima do bolo. E essa montanha de dinheiro é muitas vezes gerenciada ao bel prazer dos caciques políticos locais, que agem como verdadeiros “donos das siglas”, perpetuando o poder nas mãos de poucos.
Enquanto as grandes siglas dispõem de milhões de reais para financiar suas campanhas, pequenos partidos enfrentam dificuldades até mesmo para arcar com os custos básicos de operação. Candidatos de legendas menores, muitas vezes com propostas inovadoras e sintonizadas com as necessidades reais da população, ficam silenciados diante das colossais campanhas publicitárias dos partidos maiores, que dominam a mídia, as redes sociais e conseguem realizar eventos grandiosos.
Em Roraima, essa desigualdade se torna ainda mais evidente. Um partido como o Novo, por exemplo, jogou seus candidatos nas ruas para brigar pelos votos dos eleitores apenas com um punhado de santinhos. Lideranças que representam determinados segmentos da sociedade ou dos trabalhadores, como o Baía Garçon, vigilantes, enfermeiros, etc., entram numa luta absolutamente desigual. Algumas dessas lideranças têm anos de luta em prol de sua classe, mas muito pouca chance de chegar ao parlamento dada a desigualdade na distribuição dos recursos.
Esse cenário gera uma distorção profunda no conceito de democracia. A concentração de recursos nos grandes partidos favorece candidaturas já estabelecidas e cria um monopólio do espaço eleitoral, tornando praticamente impossível que novas lideranças, especialmente vindas de siglas menores, possam emergir e conquistar a atenção do eleitorado.
A consequência direta dessa desigualdade é a exclusão de importantes setores da sociedade da disputa política. Mulheres, jovens, lideranças indígenas e candidatos de periferia, que muitas vezes encontram nos partidos menores uma plataforma para defenderem suas causas, acabam sendo prejudicados pela falta de recursos. Essa falta de pluralidade enfraquece a qualidade do debate público e a representatividade no Congresso Nacional.
É fundamental destacar o papel que os pequenos partidos desempenham na renovação política. Eles são, em muitos casos, os responsáveis por trazer novas ideias, questionar o status quo e representar grupos que estão à margem do poder. Quando lhes são negados recursos justos, limita-se a capacidade de inovação e transformação da política brasileira.
É urgente que o sistema de distribuição do Fundo Partidário seja repensado. Embora seja natural que partidos maiores recebam uma parcela proporcionalmente maior dos recursos, é necessário criar mecanismos que garantam uma distribuição mais equilibrada, que permita aos partidos menores ter condições mínimas de competir.
Uma possível solução seria a adoção de um sistema de cotas, no qual uma parte dos recursos seria destinada exclusivamente aos partidos com menor representação. Outra medida seria fortalecer as regras de transparência e controle sobre o uso dos recursos do Fundo, de forma a evitar o mau uso e a concentração de poder.
A destinação da maior fatia de recursos para partidos mais abastados gera, inclusive, situações bizarras e constrangedoras como a briga ferrenha pelo direito de disputar as eleições, como aconteceu com o União Brasil em Boa Vista, protagonizada pelo deputado federal Nicoletti. A disputa interna entre os maiorais do partido em Roraima não era apenas pela cabeça de chapa para prefeito, tendo uma mulher como candidata, a deputada Catarina Guerra, mas também pela gorda soma em dinheiro que o partido tinha disponível para concorrer ao Palácio 9 de Julho.
Sendo assim, a discrepância na distribuição de recursos do Fundo Partidário é uma ferida aberta na democracia brasileira. Ao favorecer os grandes partidos e deixar os pequenos à mercê de parcos recursos, o sistema atual perpetua uma desigualdade que prejudica a pluralidade de ideias e a renovação política. Para que a democracia no Brasil seja verdadeiramente democrática, é necessário garantir que todos os partidos, independentemente de seu tamanho, tenham condições justas de competir e apresentar suas propostas ao eleitorado.
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